Entrevista sobre Ciclos Econômicos

Imagem: Jornal Tornado

O sistema de produção vigente capitalista atravessa um momento delicado de instabilidade e recessão, que faz parte da sua natureza cíclica. Um dos motivos dessa recessão é a atual pandemia do novo Coronavírus (Covid-19). Com isso, o Jornal Mirada Sureña entrevistou a Prof. Dra. Ana Luísa de Souza Soares para analisar a situação econômica mundial e esclarecer sobre o tema dos ciclos econômicos.

A Ana Luiza é professora adjunta da Universidade Federal do Pampa. Possui Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrado em Economia pela Universidade Federal da Bahia e Doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

MS: Com base na teoria dos ciclos econômicos que é abordada por alguns autores, teria alguma teoria que melhor descreva o cenário atual?

AL: Cabe lembrar que uma teoria se constitui em uma forma de representar a realidade a partir da apreensão por observação de variáveis que estabelecem entre si relações causais e relacionais, com a qual podemos compreender determinado fato ou fenômeno e dele extrair suas consequências, de modo que possamos intervir no ambiente para amenizar seus efeitos negativos ou potencializar os positivos.

As teorias de ciclos econômicos explicam a alternância entre períodos de prosperidade e crise econômica tão características do sistema capitalista, que podem ser visualizados como ondas. Os ciclos longos ou estruturais decorrem de mudanças tecnológicas e alterações o ritmo de acumulação capitalista. Já os ciclos curtos ou conjunturais, com uma leitura mais atenta da literatura, parecem convergir em maior ou menor grau para as variações na disponibilidade de crédito, ou seja, estariam vinculados a uma maior ou menor liquidez nos mercados.

Não há uma teoria econômica ou escola de pensamento econômico que contemple todos os desdobramentos, causais e relacionais, do cenário atual. Logo, é preciso o exercício de readequação de nossas representações (teorias) a realidade.

MS: Quais são as características do cenário atual, que limitam ou impedem uma explicação definitiva por uma das teorias ou escolas econômicas vigentes? 

AL: O cenário atual, caracterizado pela pandemia do Covid-19, é atípico. Não se vivenciou no capitalismo contemporâneo um cenário onde simultaneamente se observa: uma crise de oferta considerando no mundo globalizado a importância da China na cadeia de fornecimento de suprimentos às cadeias globais de valor. 
Segundo, uma crise de demanda gerada pelo confinamento social e pela insegurança quanto à manutenção das rendas e do emprego. 
Terceiro, o uso de políticas monetárias expansivas com o aumento da liquidez e redução de taxas de juros, sabendo que desde a crise de 2008 este tipo de política vinha se mostrando inócua. 
Quarto, a necessidade de políticas fiscais também expansionistas com aumento dos gastos públicos, quando os Estados mostram-se limitados ou impedidos de fazê-la em decorrência do acumulo de déficits públicos. 
E quinto, um sistema financeiro onde os agentes conseguiram assumir o ápice da irracionalidade, dado as flutuações diárias nas Bolsas de Valores, aumentando sensivelmente o nível de risco e incerteza econômica.

MS: Todos os países enfrentarão as características descritas acima para o cenário atual?

AL: Sim, todos enfrentam ou enfrentarão em maior ou menor grau dependendo do quão integrados estiverem à economia global e do desempenho econômico que vinham apresentando. Ou seja, enfrentarão crise de oferta, demanda, e limitações no uso de politicas públicas de cunho monetário e fiscal.

MS: As medidas de intervenção estatal que o governo está propondo, são para amenizar os efeitos da crise, ou para maquiar os dados e postergar a crise no Brasil o máximo possível, assim como em 2008?

AL: As medidas emergenciais, de cunho fiscal, anunciadas até agora são para mitigar os efeitos da pandemia sobre a população mais vulnerável, que nesse momento são aqueles que não têm as garantias de renda decorrentes do trabalho. Elas não são suficientes e percebe-se que demoram sensivelmente a serem implementadas. E também voltadas à infraestrutura de saúde como ampliação de leitos e equipamentos.

Já as políticas monetárias são sensivelmente mais robustas e mais rápidas em sua implementação do que as fiscais, com o aumento da liquidez voltada a salvaguardar a capitalização do sistema bancário para a concessão de crédito aos agentes econômicos. Sua efetividade, porém, dependerá das transações de ponta – relação entre o agente financeiro e seus clientes.

Quanto à questão de amenizar ou postergar uma crise, eu penso sempre em trajetória. De onde e como viemos e para onde iremos. A pandemia eu interpreto como um ponto de bifurcação, fazendo uma analogia com a teoria das estruturas dissipativas de Ilya Prigogine, um físico-químico que deu grandes contribuições à filosofia das ciências e à epistemologia.

MS: Por que essa teoria seria adequada a interpretar, ainda que por analogia, a economia brasileira? E o que seria um ponto de bifurcação?

AL: Essa teoria mostra, exponho aqui sem o devido rigor teórico, que todo sistema é evolutivo; que existe uma flecha do tempo, uma direção em que se guarda a memória do ponto de partida. Que qualquer sistema está sujeito a flutuações; e que perturbações aleatórias, aquelas que fogem as condições de controle do entorno levam aos pontos de bifurcação, onde por organizações adaptativas se estabelece uma nova ordem.

O que quero dizer é que seguimos uma trajetória de desenvolvimento econômico que guardou na memória as disparidades sociais, uma infraestrutura pública a serviços de alguns e um Estado que não enxerga àqueles que de fato necessitam dele. Que apesar de todos os avanços tecnológicos, de produtividade e da riqueza; que apesar de todo conhecimento científico e mudanças culturais, que o capitalismo contemporâneo com todas as características peculiares do século XXI mantém os mesmos problemas de sua origem, os mesmos identificados lá no século XIX.

Que nessa trajetória seguimos momentos de maior estabilidade e outros nem tanto, até que um fenômeno aleatório como a disseminação de um vírus, que foge aos controles do entorno no sentido de algo quase que por completo impensável, nos traz a um ponto onde a partir dele temos a oportunidade de construirmos uma nova trajetória. Essa nova trajetória pode ser estabelecida por ruptura o que nos elevaria ao extremo de não sabermos efetivamente que rumo estaríamos tomando, ou por mudanças adaptativas, que creio ser mais adequado a nossa natureza, de buscarmos um capitalismo mais justo.

MS: Então é possível dizer que há algo de positivo na pandemia da COVID-19 e na crise econômica que ela gera?

AL: A pandemia tem de positivo o confinamento social que nos permite o tempo tão necessário de reflexão. Para avaliarmos o quão incerta são nossas certezas, o quão inadequada são nossas crenças, e principalmente para pararmos de naturalizar comportamentos e fatos cotidianos.

E a crise é positiva quando revela e aproxima de forma definitiva de cada cidadão os problemas sociais que não poderão mais ser negligenciadas, as ineficiências de um Estado que necessita sim de reformas, e um mercado cheio de manhas e artimanhas que precisa amadurecer e assumir todos os riscos que lhe cabe dentro do sistema capitalista.

Por: Josueh Regino

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