Mirada nas Eleições: Cenário fiscal dos municípios

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Eleições municipais talvez não seja tanto o foco de nossa atenção, mesmo assim, merecem destaque, não só por vivermos e desenvolvermos nossas vidas nas cidades, mas porque ao município compete a administração da saúde (boa parte dos hospitais e postos de saúde), de creches e boa parte do ensino fundamental (justamente onde se passa uma das fases mais determinantes da formação de um indivíduo). Além disso, também compete ao município a organização do transporte público, da limpeza e iluminação urbana, do planejamento do desenvolvimento da cidade e em muitos casos, do saneamento básico. 

Há de se reconhecer que apesar da sua importância (ou por causa de sua importância) somada a uma geral pouca cobertura midiática (ou menor cobertura quando comparada às eleições federais e estaduais) as eleições municipais são palco de muita demagogia e falsas-promessas. Para ajudar a compreender melhor quais são as atribuições legais de vereadores e prefeitos e o que eles podem ou não fazer, o texto Mirada nas Eleições: Funções dos candidatos municipais é bastante esclarecedor.
 
Contudo, algumas promessas, mesmo sendo legais e coerentes com as funções dos candidatos e as atribuições do município e até mesmo bem intencionadas, não se tornarão realidade pela falta de recursos das administrações municipais para tirá-las do papel, e é sobre esta falta de recursos que trataremos neste texto. 

Segundo a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), entre 5337 municípios analisados em 2019, 34,8% não possuíam arrecadação própria (não dependente de repasses da União e dos Estados) suficiente para financiar a própria estrutura administrativa (pessoal, aluguel, água, luz e telefone da prefeitura e câmara de vereadores); 21% no “cheque especial”, sem caixa para pagar despesas postergadas; e 47% dos municípios destinando uma mediam de somente 3% da receita para investimentos (em expansão da rede de água e esgoto, construção de escolas, creches, postos de saúde, ginásios, abrigos, calçamento e asfaltamento). 

Conforme o IFGF (Índice Firjan de Gestão Fiscal), 74% dos municípios apresentam gestão fiscal difícil ou crítica. Isso significa que na maioria dos municípios brasileiros, haverá pouca ou nenhuma margem de realização de investimentos durante o mandato por parte dos prefeitos e vereadores que serão eleitos no pleito deste ano. 

Tal deterioração fiscal se deve ao grande aumento da folha realizado durante o boom (período de crescimento econômico forte) econômico brasileiro, na esteira do ciclo de valorização das commodities (produtos sem diferenciação ofertados e com o preço determinados internacionalmente como o petróleo, soja, milho, boi gordo) e à simultânea redução dos investimentos por parte das prefeituras. 

A redução do investimento fez com que a melhoria da estrutura das cidades não acontecesse e, quando o ciclo de valorização reverteu, a queda dos preços dos produtos exportados pelo Brasil também derrubou a arrecadação. Contudo, pela estabilidade do funcionalismo, reduções no gasto com pessoal não puderam ser realizadas na mesma proporção da redução da arrecadação, deteriorando ainda mais o cenário fiscal dos municípios. 

Esse cenário possuiu e possuem ainda três agravantes, o primeiro é a generalizada crise fiscal, que afeta tanto a União quanto os estados e impacta no orçamento dos municípios pela redução dos repasses vindo do nível federal e estadual, que consiste na principal receita da maioria dos municípios. O segundo é o envelhecimento do funcionalismo e a paulatina aposentadoria desses servidores (gasto com pensionistas e inativos nos municípios cresceu 12,9% em 2019 segundo o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais 2020). 

E o terceiro, é a grande desigualdade regional da gestão fiscal, com os municípios das regiões Sul e Centro-Oeste tendo uma participação relativamente alta entre os avaliados como boa e excelente gestão fiscal, enquanto que municípios do Norte e Nordeste tiveram participação relativamente alta entre os avaliados como crítica e difícil. 

Sendo assim, além de levar em consideração a coerência das propostas dos candidatos com seus respectivos cargos e atribuições, com a legalidade e a devida competência do município, também devemos prestar atenção na viabilidade de suas propostas. Dentro dessa última preocupação, cabe destacar o excelente trabalho desempenhado pelos tribunais de contas dos Estados, trazendo luz às contas municipais e, também estaduais, de uma forma bastante didática para quem não tem muita familiaridade com contas públicas. 

Com isso, candidaturas compromissadas com propostas relacionadas a cortes de cargos de comissão, digitalização de processos e serviços públicos e construções orçamentárias mais transparentes e construídas com uma maior participação da comunidade local podem ser alternativas bastante interessantes para solução ou amenização de restrições orçamentárias e maior efetividade no uso dos recursos públicos. 

Por: Douglas Camargo 

Referências Bibliográficas 
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Índice Firjan de Gestão Fiscal 2019. Rio de Janeiro: Firjan, 2012. 

SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais 2020. Brasília: Tesouro Nacional, 2020.

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