Os 7 Pecados Sociais

Imagem: IMDb

Enquanto estamos passando mais tempo – ou ficando totalmente – em casa nessa quarentena, vamos aproveitar para refletir perante nossas certezas e nada melhor do que fazer isso ao se entreter com a 7º arte. Dito isso, hoje lhes apresento uma análise do filme espanhol “O Poço” de Galder Gaztelu-Urrutia. 

Alerta de spoiler! 

O filme é focado na trajetória do personagem Goreng dentro do poço, uma suposta prisão. Ao se encontrar em um sistema vertical de “celas” divididas em níveis, das quais, quanto mais perto do zero estiver, “melhor”, Goreng aprende, no decorrer do filme, os sacrifícios que os humanos estão dispostos a fazer para sobreviver. Nesse sentido, a trama nos traz diversos questionamentos, principalmente, se o plano de Goreng e Baharat (de entregar a mensagem) funcionou. Porém, de acordo com a conversa do diretor com o Collider, foi proposital para que ficasse aberto às interpretações do público. 

Dessa forma, analisando do ponto de vista político e social, a crítica do filme seria em torno do sistema de produção capitalista, em que poucos têm muito e muitos têm pouco. A partir disso, como algumas análises estão relacionando as ações dos personagens com crenças religiosas, a forma de unificar esses dois pontos de vista, seria chamando as ações vistas no filme de “os 7 pecados sociais”. Assim, ao associarmos o filme com a realidade, podemos encontrar os indivíduos do poço dentro do próprio estado de natureza (Hobbes, 1651), dispostos a fazer o possível para sobreviver. Seja conquistar, convencer, dialogar ou matar. 

Desse modo, conforme a análise da psiquiatra Alinne Matias Terra Verdi (2019, via instagram), o personagem de Goreng seria “o Messias” que chegou para se sacrificar em nome do bem maior. Para isso, Goreng conta com a ajuda do seu colega de cela do nível 6, Baharat que representaria a fé. Além disso, ela apresenta o idoso Trimagasi como a razão; Imoguri, a mulher com câncer como a solidariedade; a asiática Miharu como a justiça feita pelas próprias mãos; e a criança como a esperança que pode ser encontrada até “no fundo do poço”. Assim, ao tentar chegar no último nível, os personagens evidenciam os 7 pecados capitais praticados pela população:
  1. Soberba: o cara com cabelo branco que fala que é merecedor só por estar em um nível alto, o 7; 
  2. Avareza: como o materialismo, com a pessoa que não quer largar o violino; 
  3. Preguiça: a mulher com travesseiro, que está abaixo do nível 50 onde eles vão começar a divisão da comida, porém, ela não se importa com os próximos; 
  4. Luxúria: os homens pelados na piscina; 
  5. Gula: o garoto com síndrome de down falando que iria comer a comida que estava dentro da barriga do colega de cela; 
  6. Ira: os dois caras que mataram a asiática; 
  7. Faltaria a Inveja que poderia ser o próprio idoso, o Trimagasi, ao ter o desejo exagerado por posses, em que sua própria revolta com seu consumismo que o colocou naquela prisão.
Nessa lógica, partindo do pressuposto de Hobbes que no estado de natureza a conquista vem através do conflito, uma vez que o indivíduo não confiaria na colaboração do outro, seguir a razão e fazer justiça pelas próprias mãos, seria a melhor opção para sobreviver, conforme as ações de Trimagasi e Miharu. No entanto, se irmos ao encontro da solidariedade e a fé, o indivíduo pode enxergar uma nova saída para sobreviver no sistema, que poderia ser o caminho religioso de mostrar que há esperança para uma vida melhor (quando Goreng e Barahat tentam entregar a mensagem). 

Em conjunto, se considerarmos tudo isso como crítica ao capitalismo, conforme o diretor 
"quando Goreng e Baharat começaram a usar o socialismo para convencer os outros prisioneiros a compartilhar a comida, eles acabam matando metade das pessoas que tentaram ajudar e no fim, o problema surge quando você tenta exigir a colaboração de todos e vê que não há nenhuma conquista no final. Goreng faz o que planejou, levando a Panacota e a criança até o último nível, mas ele não mudou a opinião de ninguém sobre compartilhar a comida”. 
Entretanto, se seguirmos com esse raciocínio na vida real, estaremos sempre presos ao conflito do estado de natureza causado pela desconfiança e evidenciando a divisão que o próprio diretor afirma ao dizer que “O Poço reflete a fria desumanização do mundo em que vivemos e a separação entre ricos e pobres, norte e sul, e os que querem ascender e os que concordam em descer e dividir”

Por isso, a reflexão que podemos ter é, se em ambos sistemas (capitalista e socialista), as pessoas continuam a morrer, por que, ao invés de continuarmos a praticar os “pecados sociais”, não aproveitamos que a divisão vertical ainda é apenas algo abstrato, para começar agir a partir da cooperação ao socializar os recursos que ainda nos restam na Terra, e parar de concentrar muito para poucos e pouco para muitos? 

Afinal, “o problema da classe média é que ela não está nem aí para o privilégio dos ricos, mas sim para a possibilidade de os pobres terem algum”, Noam Chomsky. Então, a diferença precisa começar de algum lugar. 

Por: Samara Oliveira

Comentários