Armadilha da renda média: O que é e como sair?

Imagem: Veja

A economia brasileira não vem bem e, para ter consciência dessa realidade e que ela já anda conosco há alguns anos não é necessário um diploma ou sequer muito esforço. Basta prestar a atenção uma vez na semana ou até menos em algum jornal, conversar com amigos e familiares sobre trabalho, sobre a situação das finanças ou até mesmo dar uma olhada naquelas revistas que ficam na sala de espera de médico, dentista e até mesmo do barbeiro – o fato de elas serem, em geral, desatualizadas, nesse caso não tem importância, porque o cenário de economia brasileira em recessão já persiste por mais de seis anos. 

Em geral, Levitt e Dubner (2014) afirmam que as pessoas evitam discutir um determinado problema quando há a sensação de que está tudo bem, porque fazê-lo é incomodador e inconveniente, preferindo postergar a discussão até momentos em que não haja uma opção crível que não seja encarar e solucionar o problema. 

No debate econômico brasileiro, o comportamento de postergar inconveniências, por via de regra não é muito diferente, com honrosas exceções na mídia, no mercado financeiro e, sobretudo, na academia. Pela gravidade, extensão e resiliência da crise, o espaço para soluções críveis se reduziu e os problemas tiveram que ser encarados, motivando análises e debates mais profundos, a fim da proposição de possíveis soluções. 

Desses debates, surgiram soluções, como propostas de reformas constitucionais, alterações de marcos regulatório e mudanças de orientação de políticas macroeconômicas e setoriais, junto com críticas e oposições a tais propostas. Todavia, após anos de proposições, formou-se um consenso – e os números não permitem uma oposição – de que verificaremos no início de 2021, mais uma década perdida de crescimento econômico. Isso significa que o país terminará a década com praticamente a mesma renda em dólar que iniciou há mesma (2011-2020), assim como na década de 1980. Dito isto, cabe destacar que tal cenário também se verificaria na ausência da pandemia, apesar de ser intensificado por ela. 

Dentro da busca por respostas e saídas, um modelo econômico que, infelizmente correspondeu muito ao que aconteceu neste período – e não pela primeira vez na história da economia brasileira – foi o da chamada “armadilha da renda média”. Um modelo que possui uma série de significados diferentes para diferentes autores, mas, em suma, consiste no baixo crescimento econômico de um país depois de um período de contínuas taxas de crescimento econômico elevadas. 

Para o Banco Mundial, o que pode ser verificado aqui, um país de renda média é aquele que possui o Produto Nacional Bruto (PNB) per capita entre 1.036 dólares e 12.535 dólares, divididos entre baixa renda média (até 4.035 dólares) e alta renda média (até 12.535). Ademais, o Banco Mundial (2012) coloca que de 101 países que se encontravam no estágio de renda media na década de 60, somente 13 conseguiram superar e atingir a renda alta. Entre os 88 que fracassaram, está o Brasil (segundo dado do Banco Mundial de 2019, o PNB per capita brasileiro é 10.826,4 dólares). 

Cabe destacar que PNB é diferente do Produto Interno Bruto (PIB), na medida em que o primeiro só considera a produção de bens e serviços de residentes de um país, enquanto o outro considera a produção total de bens e serviços em um país. Na prática, a produção de uma multinacional alemã no Brasil conta para o PIB brasileiro, mas não conta para o PNB do Brasil, mas sim para o da Alemanha, enquanto que um serviço de TI de um analista que more no Brasil e seja enviado a fazer um serviço na Argentina, conta para o PNB do Brasil, mas não para o PIB do Brasil. 

Detalhando um pouco melhor processo conhecido como armadilha da renda média se dá na realidade, Pereira; Velloso; e Bingwen (2013) resumem que no início do desenvolvimento econômico capitalista de um país, a primeira etapa a se superar é a armadilha da pobreza, onde uma renda per capita muito baixa impede a formação de poupança e a realização de investimentos. 

Historicamente, Furtado (2007) diz que tal armadilha foi superada em muitos países, através da obtenção de ganhos elevados de produtividade através da incorporação de uma força de trabalho originária da agricultura tradicional (sem maquinário e com pouca tecnologia integrada à produção) em processos produtivos industriais – em um processo semelhante ao do início da revolução industrial. No Brasil, tal processo se deu, em boa medida, por incentivo e intervenção do Estado. 

Depois de superada a armadilha da pobreza, segundo Pereira; Velloso; e Bingwen (2013), por ainda serem tecnologicamente muito atrasados, esses países conseguiram incorporar progressivamente tecnologias mais avançadas de países desenvolvidos através da importação (embora menos avançadas e produtivas do que as que esses países possuíam e possuem) e continuaram no processo de desenvolvimento capitalista, acumulando capital através da redução de importação de determinados bens mais básicos e exportando produtos intensivos em mão-de-obra, utilizando o método principal de copiar processos já existentes. 

Contudo, conforme o país vai se aproximando da renda média, esse tipo de acumulação de capital começa a se inviabilizar pela falta de população ociosa a ser incorporado no processo produtivo, o que pressiona os salários para cima e diminui a competitividade da produção nos mercados internacionais. Soma-se ao início de escassez de mão-de-obra, o fato de que a diferença tecnológica nos países de renda media já não ser tão grande, e a preocupação passa a ser a de desenvolver novas tecnologias (inovar) para renovar o processo de acumulação. 

Assim, conforme Agenor e Canuto (2012), as habilidades e competências técnicas para copiar processos já existentes se tornam muito mais fácil e rápido de ser desenvolvido em um país, do que inovar e desenvolver novas metodologias de produção, novos produtos e novas tecnologias de produção, que exige competências e habilidades muito mais avançadas em uma gama de áreas muito mais amplas. 

Sendo assim, para avançar do estágio de renda média para a renda alta se faz necessário avançar no processo de desenvolver novas tecnologias. A fim de dar respostas e possíveis saídas da armadilha, Agenor e Canuto (2012), em um bastante citado trabalho publicado pelo Banco Mundial, escrevem que investimento em educação, pesquisa e desenvolvimento e infraestrutura podem ajudar na superação da armadilha através dos efeitos de espraiamento que esses dois fatores possuem sobre os demais. 

No caso da educação, melhorando produtividade e aumentando a qualidade do capital humano e de produtos e serviços oferecidos, e no caso da infraestrutura, reduzindo custos de logística de todos os setores, encurtando prazos e outros efeitos positivos, além disso, melhora da proteção de direito de propriedade e menor rigidez trabalhista também são pontos a destacar no texto. 

O interessante de destacar é que apesar de possuir suas nuances particulares, o Brasil seguiu o roteiro geral do modelo da armadilha da renda média. Desse modo, por não possuir uma estrutura educacional adequada que cubra uma parte relevante da população – em especial quando comparada com países europeus e até mesmo do antigo bloco socialista –, o Brasil defrontou com a restrição de capital humano e, por consequência, não só não está na vanguarda tecnológica global, como também não possui capacidade de engenharia reversa para “correr atrás” numa velocidade adequada. E isso não só nos impediu de romper a barreira da renda média como também fez com que estivéssemos ainda mais distante em termos de renda e qualidade de vida relativa ao bloco de renda mais alta. 

Por: Douglas Camargo 

Referências Bibliográficas 
AGENOR, P.; CANUTO, O. Middle-income growth traps. Research in Economics, Volume 69, issue 4, December, 2015. 
BANCO MUNDIAL, China 2030: Building a Modern, Harmonious, and Creative High-Income Society, World Bank, Washington DC, 2012. 
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 34º edição, 2007. 
LEVITT, Steven; DUBNER, Stephen. Pense como um freak. Rio de Janeiro: Record, 1º edição, 2014. 
PEREIRA, Lia; Veloso, Fernando; Bingwen, Zheng. Armadilha da renda media: visões do Brasil e da China. Rio de Janeiro: FGV, 1º edição, 2013. 
RODRIK, D. Industrial Policy for the twenty-first century. KSG Faculty Research Working Paper Series, Cambridge, MA, 2004.

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