Entenda as crises econômicas da Argentina contemporânea


 Imagem: Daniel Garcia/AFP

Quando o assunto é o futuro e o presente da América Latina, a instabilidade econômica é um dos tópicos que mais gera debate entre os interessados. Podendo haver muitas explicações do ponto de vista de sua formação histórica, das suas peculiaridades de recursos e dos projetos de inserção dos países do continente frente ao mundo. 

Por isso, neste texto iremos tentar entender o cenário de crise de um dos países mais importantes economicamente do continente: a Argentina. Longe de ser uma pesquisa profunda, ainda que com base na ciência, o intuito deste texto é meramente informativo para interessados no que está acontecendo no principal parceiro econômico do Brasil na região. 

Como tudo nas ciências humanas não tem uma explicação pronta e exata, para entender o que está ocorrendo no presente argentino, precisamos olhar para o passado do país. A Argentina do século XX era o país mais homogêneo, em termos de desigualdades sociais, do que todos os países da América Latina. Também conhecida na época como uma espécie Europa sul-americana. Entretanto, convivia com os mesmo problemas que a maioria dos vizinhos: inflação, uma lógica agroexportadora, ditadura e o neoliberalismo dos anos 1990. 

O ideal neoliberal implantado no país estabilizou a inflação com base na conversibilidade do peso um para 1 com o dólar, fazendo com que o país prejudicasse suas indústrias, pois a paridade cambial inviabilizava as exportações. Em contraponto, o país gozou de uma gama maior de produtos importados. O capital estrangeiro aumentou diante das reformas econômicas e o país cresceu nesta década uma média de 6% a.a. 

Embora o crescimento econômico tenha ocorrido, a lógica neoliberal expôs o país às oscilações econômicas internacionais. O capital estrangeiro poderia facilmente retirar seus investimentos do país e a paridade dólar/peso argentino não deixava o país exportar o suficiente para gerar divisas internacionais. O resultado disso foi uma fuga de capitais ao final da década acompanhado de uma elevadíssima dívida externa. 

Diante disso, a Argentina ficou em uma situação completamente difícil. Endividada externamente e sem capacidade de pagar, pois também não havia arrecadação suficiente. O resultado disso foi o calote (default) da dívida externa em 2001 e uma queda alarmante dos índices de desenvolvimento social. Da homogeneidade social à rotineira heterogeneidade tal qual o restante do continente. 

A partir desta crise econômica e social gerada pela modelo neoliberal da década de 1990, em 2003, subiu a Presidência Nestor Kirchner inaugurando o kirchnerismo que governaria o país até 2015. Nestor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2008-2015) alteraram a lógica econômica argentina para o que ficou conhecido na América do Sul como pós-neoliberalismo. Nesta lógica implantou-se medidas de redistribuição social e desvalorização do peso de modo que facilitasse as exportações. 

A Argentina cresceu acima 7% de 2003 a 2011, exceto em 2009, onde foi afetada pela crise econômica mundial de 2008. A recuperação da indústria e da agricultura foram os pilares deste crescimento, sendo a última pela boom das commodities. O kirchnerismo conseguiu diminuir as dívidas pública e externa herdadas da crise da virada do século, porém a inflação subiu vertiginosamente. Pulou de 10% para 35% ao final do governo de Cristina. 

A crise financeira mundial de 2009 alterou o cenário econômico que não mais favorecia as economias sul-americanas. A partir de 2012 a economia argentina cresceu pouco, além de surgir novos problemas com o câmbio e com a credibilidade financeira internacional. Embora tenha feito negociações aceitáveis aos credores, o país não conseguiu novos empréstimos para equilibrar os déficits decorridos da queda da atividade econômica. O resultado disso foi estagnação econômica com alta inflação. 

Em 2016, chegou a Presidência Mauricio Macri com uma proposta legitimamente liberal. Macri imprimiu uma nova abertura comercial desregulamentando o comércio exterior, impôs o câmbio flutuante e liberalização financeira. Conseguiu renegociar a dívida dos credores do default de 2001 que ainda não haviam acertado com os governos anteriores, os chamados fundo abutres. O preço dessa negociação foi um acréscimo na dívida externa de U$S 39 bilhões. 

Apesar das reformas e das promessas de campanha de um país sem pobreza, os resultados não foram como o governo esperava e ao final de 2018 o PIB argentino foi de -1,8%. Além disso, o Governo Macri não logrou o mesmo choque de confiança da década de 1990 e o capital estrangeiro no país não subiu nem 10% em relação ao governo Kirchner. A tomada de empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de U$S 50 bilhões em conjunto com uma fuga de capitais gerada pela facilidade de movimentação financeira, apesar de estabilizarem o setor externo, não foram o suficiente para atenuar a grave crise inflacionária e de desemprego. 

A situação se agravou ainda mais quando o candidato Alberto Fernandez, com propostas econômicas alternativas venceu no primeiro turno as eleições de 2019. Isso gerou uma fuga ainda maior de dólares no país, fazendo despencar a bolsa argentina, o que conturbou ainda mais o já recessivo cenário econômico do país. No dia 22 de maio de 2020 a Argentina declarou que não pagaria um débito de U$S 503 milhões da dívida externa. Analistas argumentam que é um default suave ou técnico por ser tratar de ainda estar ocorrendo novas negociações com o FMI e credores externos. 

Dessa maneira, o país está profundamente atolado em uma crise econômica que se agrava com a crise sanitária da COVID-19. O Governo Fernández já decretou congelamento de preços e outras medidas de caráter social para que não haja o recrudescimento da pobreza no país. Entretanto, a saída argentina da crise, possivelmente será mais complexa que a saída brasileira, tendo em vista as dificuldades externas, inflacionárias e as próprias peculiaridades conjunturais e históricas tratadas neste texto. 


Por: Adam Barbosa

Referências Bibliográficas: 
EL PAÍS. Argentina assume default suave e prorroga negociações com credores até 2 de junho. Por Fernando Rivas Molina. 22 mai. 2020.
FREITAS, Alexandre de; CRESPO, Eduardo. Da Vitória a Crise: Uma Análise das Políticas Econômicas do Governo Macri (2015-2019). SEP. 2019. 
FERRARI, Andrés; CUNHA, André Moreira. As origens da crise argentina: uma sugestão de interpretação. Revista Economia e Sociedade, Campinas , v. 17, n. 2, p. 47-80, abril/2008.
ROUBICCECK, Marcelo. Qual a situação da dívida pública da Argentina em 2020. Nexo Jornal, 24 fev. 2020.
SCHINCARIOL, Vitor Eduardo; FERNANDEZ, Ramón Garcia. Crescimento Econômico e Políticas de Governo na Argentina, 2003-2014. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 2014. 

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