Soja, China e Gestão de Risco

Imagem: CargoNews

Na segunda-feira passada (25/05), Celso Lafer, o ex-Ministro das Relações Exteriores do governo de Fernando Collor e FHC, participou do programa Roda Viva. Em sua fala, o ex-Ministro ressaltou um aspecto importante referente a administração atual do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o qual o cargo de Ministro é ocupado por Ernesto Araújo.

O que vamos focar nessa análise, é o ponto que Lafer ressaltou em relação ao déficit de gestão de risco por parte da Política Externa Brasileira (PEB) no que tange às relações com a China. Isto é, no sentido do termo, Lafer ao se referir a gestão de risco elencou que há uma incapacidade dos atuais representantes brasileiros, de efetuarem a ponderação de riscos e ganhos perante as demais variáveis do sistema internacional, especialmente em relação à China. 

No que diz respeito às relações Brasilia-Pequim, ressalta-se a importância ímpar que a China possui no aspecto comercial, em especial quando se trata das exportações brasileiras de gêneros alimentícios, como grãos e proteína animal.

A partir disso, é importante ressaltar que, recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou um relatório sobre o PIB do setor agropecuário brasileiro. Em linhas gerais, o IPEA estimou um crescimento de 2,5% do PIB, de acordo com projeções da safra realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de 2,3%, segundo a estimativa da safra pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).

No entanto, a instituição projetou estimativas pouco animadoras, por conta das pressões negativas na demanda dos produtos citados, devido ao cenário de pandemia do COVID-19. Porém, foi possível notar que mesmo neste contexto negativo, a instituição projetou um crescimento de 1,3% do PIB agropecuário brasileiro para 2020.

A instituição apontou que este crescimento é impulsionado pelo segmento Lavoura, no qual é um dos componentes do PIB agropecuário. Dessa forma, vamos observar uma tabela feita pelo IPEA, que consta a composição do atual PIB agropecuário brasileiro:



Como se percebe na tabela, o segmento Lavoura representa 67,3% do PIB agropecuário, Pecuária coloca-se em segundo lugar com 25,7% da composição e o segmento Outros em terceiro com 6,9%.

Nesse sentido, podemos notar que dentro do principal segmento - a Lavoura - o produto Soja em grão detém o maior peso na composição deste segmento, representando 26%, além de que este produto, de acordo com a CONAB, crescerá 4,6% referente a produção deste ano.

Ademais, a estimativa em relação à contribuição para o crescimento do PIB do segmento Lavoura, terá como principal produto, justamente a Soja em grão, no qual percebe-se que este representará uma contribuição de acréscimo de 1,2% no crescimento do respectivo segmento.

Dito isto, podemos observar o relevante papel que a soja apresenta no PIB agropecuário brasileiro, principalmente pelo fato dos demais produtos tenderem a contribuir com um decréscimo ou estagnação, no que tange ao crescimento do PIB referente ao segmento Lavoura.

Agora, se abordarmos a questão comercial, podemos perceber a relevância do Estado chinês em relação às exportações brasileiras de Soja, dado que o produto representou 12% (26 bilhões de dólares) das exportações brasileiras em 2017, como podemos observar no gráfico do OEC Observatory:

Exportações brasileiras em 2017

Além disso, destes 12% da exportação brasileira em 2017, cerca de 79% destinou-se unicamente para China (20,3 bilhões de dólares), conforme os dados da OEC como podemos ver na figura abaixo:

Destino das exportações brasileiras de Soja em 2017

Dado este contexto econômico e comercial, podemos perceber que faz-se extremamente necessário o trato acerca das relações internacionais do Brasil com os demais atores do sistema internacional, especialmente em relação à China, com a aplicação do tema proposto, conforme a abordagem proposta por Celso Lafer.

Isto é, utilizar-se de uma perspectiva pragmática pautada em gestão de risco, no que tange às relações comerciais com Pequim, uma vez que a China representa, como visto, a principal demandante de exportação da soja brasileira. Além de figurar, da mesma forma, os principais parceiros econômicos do Brasil em outros setores. 

Com isso, podemos identificar a importância da China nas relações comerciais com o Brasil no cenário atual e, por isso, é extremamente prejudicial a postura do atual governo do presidente Jair Bolsonaro (com Ernesto Araújo como Ministro das Relações Exteriores), devido aos posicionamentos adotados, publicamente em redes sociais, referindo-se da China de forma pejorativa e conflituosa. 

Além do fato de que estes posicionamentos, vão na linha contrária do pragmatismo proposto por Lafer, apresentando uma divergência entre as possibilidades do Brasil, enquanto ator no sistema internacional, de se inserir cada vez mais como um ator relevante nos temas de suprimento alimentício, com as atuais posturas adotadas pelo governo.

Em análise, demonstrando a incapacidade de diagnosticar de forma pragmática a conjuntura internacional e, consequentemente, de elaborar uma visão diplomática de longo prazo que poderia gerar ganhos para o Brasil.

Sendo assim, podemos identificar uma irresponsabilidade, incoerência e superficialidade ao trato da diplomacia do Brasil, por parte do atual governo, prejudicando um aspecto vital para o crescimento e desenvolvimento econômico brasileiro, que são as relações comerciais, principalmente no atual cenário mundial de crise sanitária e econômica.


Texto: Guilherme Jeres
Revisão: Samara Oliveira

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