Ciberativismo como estratégia de mobilização social

Imagem: Cuatro Cero

O número de usuários conectados a internet é sempre exemplificado como uma crescente inegável e irreversível no mundo contemporâneo. Em um relatório publicado pela empresa Hootsuite em 2019, podemos observar que em média a internet recebe aproximadamente um milhão de novos usuários todos os dias. Até janeiro de 2019 o número de usuários conectados a internet era de 4,39 bilhões, sendo que destes 3,48 bilhões utilizavam algum tipo de rede social. É estimado que no Brasil, cerca de 70% da população esteja conectada, isso equivale a uma média de 127 milhões de pessoas. 

Dentro do Brasil, é curioso analisar que de acordo com a pesquisa realizada em 2018 pela TIC domicílios, 97% dos acessos são realizados pelo celular, apresentando grande disparidade em relação a outros meios de conexão como, por exemplo, o computador. Por fim, além de um acesso relativamente amplo por parte da sociedade brasileira, o país também se encontra em segundo lugar no ranking dos países que mais gastam seu tempo com redes sociais, estando atrás somente das Filipinas. São em média 3 horas e meio gastas por dia conectado a aplicativos como facebook, twitter e instagram

Em uma sociedade conectada, não é complicado pensar em como a rede pode facilmente se tornar uma ferramenta de organização política de diversos grupos que anteriormente possuiriam problemas de alcance e repercussão de suas idéias. Temos diversos exemplos ao redor do globo sobre como a divulgação de uma causa, uma ideia ou um acontecimento pode rapidamente se tornar um movimento de grande escala, como ocorrido recentemente com o caso do cidadão afro americano, George Floyd, que foi assassinado por um policial em um e dos muitos episódios de racismo noticiados pela população. Este crime tomou grande repercussão dentro da rede a partir da #BlackLivesMatter, onde diversas manifestações foram organizadas e divulgadas.

Portanto, conforme Ugarte (2007):
Um ciberativista é alguém que utiliza Internet e, sobretudo, a blogosfera, para difundir um discurso e colocar à disposição pública ferramentas que devolvam às pessoas o poder e a visibilidade que hoje são monopolizadas pelas instituições. 
Além disso, um ciberativista é uma enzima do processo pelo qual a sociedade deixa de se organizar em redes hierárquicas descentralizadas e passa a constituir-se em redes distribuídas basicamente igualitárias (UGARTE, 2007). Logo, o ativismo digital proporciona a quebra de barreiras anteriormente enfrentadas pelos movimentos populares, tornando a informação e a construção destes horizontal e abrangente. Dentro da perspectiva cibernética, em especial em redes como o twitter, cada usuário pode ser uma voz ativa e interativa de cada pauta apresentada (ANDRÉS; UCEDA, 2020). 

De forma positiva, as redes sociais impulsionam a convergência de ideias, a velocidade da informação e a distância entre os indivíduos (JENKINGS apud CAVALCANTI, 2020). E, por outra perspectiva, também é necessário tomar precauções a respeito do surgimento e condução destes movimentos espontâneos na rede, pois estes são sujeitos ao uso de fake news e bots como estratégia para a propagação de suas idéias, a ausência de privacidade do usuário. 

Ao reconhecer a importância da mobilização em rede, é necessário também compreender quais são as características distintas apresentadas por estes ciberativistas. "Castells (2013) elencou diversas especificidades reconhecidas em todas as mobilizações iniciadas pela rede: 
  1. São simultaneamente locais e globais; 
  2. seguem a lógica das redes, atingem um grande número de pessoas e se propagam rapidamente; 
  3. geralmente não possuem causas únicas; 
  4. atingem a classe política e deliberam mudanças, mesmo que em médio e longo prazo (CASTILHO; MIAN, 2019).
As potencialidades das causas impulsionadas por usuários são realmente quase um sonho democrático, considerando a horizontalidade, a acessibilidade e a capacidade de participação do indivíduo em mobilizações por causas públicas. Porém, uso malicioso destas ferramentas também não deve em momento algum ser ignorado, assim como a capacidade destes de influenciar de modo desonesto em assuntos que são refletidos para além do mundo virtual.

Um dos exemplos mais conhecidos para desvirtuar, poluir ou alterar a percepção dos usuários de determinada rede social são os populares bots, que são robôs programados para simular um usuário humano. "Os bots apresentam comumente três características: 
  1. Contas recentes; 
  2. são menos ativos do que contas comuns; 
  3. possuem baixo engajamento com outros usuários" (ALMEIDA, et al 2019). 
O uso destes é prejudicial para a construção orgânica de pautas e análise da influência destas entre os próprios usuários, podendo criar cenários em que aparentemente uma porcentagem significativa dos seguidores possua certa visão a respeito do tópico discutido no momento quando, na realidade, isto não ocorreu de forma puramente orgânica. 

Dentre as redes sociais hoje existentes, o twitter é comumente utilizado tanto por instituições, políticos, por grandes personalidades e grupos de modo geral. O twitter hoje é um aplicativo que proporciona grande proximidade e facilidade de interação entre contas diversas, além do fato de que este proporciona a capacidade de medir o impacto de pautas atuais por meio de seu próprio trending topics, onde os assuntos mais comentados do momento são exibidos para todos os usuários (ANDRÉS; UCEDA, 2011). 

Este também é um tópico de discussão comum quando se comenta as mais recentes eleições no mundo, pois a capacidade de influência de grandes grupos políticos e ciberativistas no processo eleitoral em momento algum pode ser desconsiderada. 

Um último ponto a ser considerado é que o ciberativismo não é, necessariamente, democrático. Embora suas características tenham uma tendência a desenhar um caminho de aparência democrática, a propagação de movimentos e ideias contrárias a democracia também são completamente possíveis. Tópicos como o retorno da ditadura militar, fechamento do STF, organizações pró-monarquia são facilmente encontrados na rede social citada, tornando claro que não somente por ser um fenômeno abraçado por usuários comuns que será um caminho para a construção de uma democracia mais participativa. 

Por fim, é compreensível que o ativismo digital seja abraçado por alguns como um importante pilar para a luta por suas pautas. Este apresenta benefícios inegáveis, além de ser, em essência, prático e de fácil organização quando colocado em comparação com os modelos tradicionais de manifestação. Porém, como observado no texto, a mobilização online necessita também de uma construção e explanação de suas ideias no mundo real, tornando aquilo que é digital uma estratégia a mais para a mudança desejada.

Por: Rafaela Souza 

Referências Bibliográficas:
CAVALCANTI, Davi Barboza; JARDELINO, Fábio; NASCIMENTO, Raíssa. Ativismo digital no Brasil contemporâneo. Brazilian Journal of Development. Curitiba, v. 6, ed. n 7, p. p.42556-42570, 1 jul. 2020.

NOBRE, Gabriel P.; ALMEIDA, Jussara M. ; FERREIRA, Carlos H. G. Caracterização de bots no Twitter durante as Eleições Presidenciais no Brasil em 2018. In: BRAZILIAN WORKSHOP ON SOCIAL NETWORK ANALYSIS AND MINING (BRASNAM), agosto/2019, Belém. Anais do VIII Brazilian Workshop on Social Network Analysis and Mining. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, p. 107-118, julho/2019.

MIAN, Mariella Batarra; CASTILHO, Alessandra de. O Ciberativismo potencializado via memes:: Uma análise de articulação de pautas políticas e sociais nas redes. Aurora: revista de arte, mídia e política. São Paulo, v.12, ed. 34, p. 110-128, fev/maio 2019.

UGARTE, David de. O PODER DAS REDES: Manual ilustrado para pessoas, organizações e empresas chamadas a praticar o ciberativismo. Porto Alegre: [s. n.], 2008.

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