De que forma olhar para o passado ilustra tendências futuras acerca de possíveis hegemonias no Sistema Internacional?

Imagem: Aliexpress

Atualmente um Estado tem sido mencionado recorrentemente nas falas de internacionalistas, economistas, políticos, estudiosos em geral e demais pessoas que possuem o mínimo interesse acerca do sistema internacional, ou pelo menos, pessoas que se preocupam com a origem dos seus produtos. Isto é, tanto a China quanto os aspectos pertinentes a sua expansão no sistema internacional, tem sido citada cada vez mais, no meio acadêmico, na mídia e demais espaços sociais. Assim, este artigo buscará trazer alguns pontos referentes a este tema. De modo que voltaremos ao passado, a fim de buscar respostas para possíveis eventos futuros. 

Recentemente, ao ler as páginas iniciais do livro “Dominando o Ciclo de Mercado” do gestor financeiro Howard Marks, uma frase me fez refletir acerca do cenário atual, em que a ideia do autor, segue a lógica de que se faz necessária a formulação de uma perspectiva de possíveis eventos futuros como um conjunto de possibilidades que podem ou não ocorrer, ou seja, não se vê nesta perspectiva, o futuro como algo estático a ser desvendado. 

Além disso, outro insight do autor que se refere ao futuro é quando este afirma que formular uma ideia acerca do futuro não necessariamente reforça as chances de esse evento ocorrer. Em análise, essa ideia se faz importante, pois, muitas vezes as nossas vontades e valores como indivíduos, de certa forma, diminuem nossas capacidades analíticas como profissionais, por exemplo. Além disso, essa ideia exposta acima se conecta com o exposto na entrevista realizada pelo Mirada com o Prof. Dr. Ricardo Leães.

Ricardo apontou na entrevista que é necessário distinguir o futuro que desejado, do que de fato pode ocorrer, ou seja, não ser passível de acreditar em discursos determinísticos sobre o futuro. Assim, se torna necessário ter clareza acerca dos eventos possíveis (com as maiores probabilidades de ocorrência, de modo a levar em consideração as variáveis) e diferenciar do futuro que nós como indivíduos queremos que aconteça, ou melhor, torcemos para que ocorra. 

Trago estas ideias expostas acima, pois, percebe-se atualmente a divisão entre dois argumentos, ou podemos chamar de duas torcidas? O primeiro grupo reforça a manutenção da Pax Americana. Basicamente, clamando pela sobreposição dos valores democráticos liberais e ocidentais, promovidos pelos Estados Unidos. Já o segundo grupo, aponta para um possível cenário de Pax Chinesa no sistema internacional. 

Este grupo reforça a ideia de uma alteração da hegemonia estadunidense por uma hegemonia chinesa. A título de maior compreensão, um período de Pax pode ser compreendido como um período de hegemonia de um ator no sistema internacional. Como exemplo, encontramos períodos de Pax Romana, Pax Britânica e, por útilmio, a Pax Americana. Assim, trago um gráfico muito interessante apresentado pelo gestor financeiro Ray Dalio, exposto recentemente no evento Xp Expert 2020 sobre a ascensão e o declínio do poder dos impérios desde 1500.

Fonte: Bridgewater Associates


Períodos de hegemonia caracterizam-se, basicamente, por serem períodos de ascensão e queda. Porém, esses períodos de transição deixam algumas características importantes. Neste artigo, trago especialmente o aspecto econômico. Em relação ao gráfico acima, nota-se que o período de hegemonia Britânica (linha preta) entrou em declínio no início do século XX. Em sentido contrário, nota-se que os EUA seguiram uma linha de alta, alcançando o papel de maior potência ao final da segunda guerra mundial, no meio do século XX. 

A esse papel, atribui-se especialmente o crescimento econômico. Tanto na Primeira, quanto na Segunda Guerra Mundial, o país fortaleceu-se financeiramente. Aliado a esse crescimento econômico, o país viu-se distante da destruição ocasionada na Europa durante as duas Grandes Guerras. É importante ressaltar que além do aspecto econômico, outros dois fatores que contribuem para a hegemonia norte-americana, são os aspectos geográficos e suas instituições democráticas com valores constitucionais baseados nas liberdades individuais. 

No entanto, se voltarmos ao século passado, no final dos dois grandes conflitos juntaram-se as peças para reorganizar o sistema internacional como um novo quebra cabeça, em que a compreensão do posicionamento dos Estados Unidos possibilitou que fosse traçado tendências acerca de fenômenos futuros possíveis de acontecer. 

Outro aspecto importante presente no gráfico relaciona-se à China (linha vermelha). Nota-se que o país está passando por um processo de crescimento exponencial. Inclusive, de forma muito mais verticalizada que as demais potências de períodos anteriores. 

Retornando ao período histórico de hegemonia Britânica, nota-se que o país, viveu períodos de prosperidade, porém, seu declínio se deu na quebra de seu sistema econômico, especialmente durante a 2º GM, onde o país perdeu contato com boa parte de suas ex-colônias e a libra perdeu força em relação ao dólar. Além disso, o Império Britânico passou pela 1º e 2º GM, inserida geograficamente nos conflitos, o que casou danos em sua infraestrutura e altos custos econômicos e humanos do conflito. 

Como mencionado acima, os fenômenos podem se repetir. Logo, o atual sistema de hegemonia dos Estados Unidos poderia estar passando por um período de transição?! Estaria a China ascendendo ao papel de potência no sistema internacional? Bom, tendências podem ser definidas e percebidas. Desta forma, podemos afirmar que estamos seguindo para um período de Pax Chinesa? Sim e não. Inúmeras variáveis compõem nossa equação, a primeira, e que possui enorme peso, consiste na expansão econômica chinesa perante os demais continentes. Exemplificando, a China atualmente possui altos volumes financeiros investidos em diversos países de regiões denominadas periféricas como a Ásia, América do Sul, África e Oriente Médio.

Atualmente, percebe-se que a guerra entre armas foi trocada pelas guerras comerciais. Assim, como a Alemanha buscou sua ascensão no início do século XX e entrou em conflitos armados, a China também se projeta da mesma forma, porém, sem conflitos armados e sim com conflitos econômicos. Nesta guerra comercial que presenciamos entre EUA e China, temos um país domesticamente capitalista e democrático perdendo gradativamente espaço e projeção internacional acerca de diversos mercados para um país domesticamente autoritário e com uma economia dirigida pelo Estado. 

Em análise, percebe-se que a China cresce e adentra em espaços anteriormente ocupados pelos EUA e é possível atribuir a isso, a atual postura contracionista adotada pelo governo de Trump. Inclusive, as lideranças podem se tornar variáveis no decorrer da história, uma vez que é quase impossível imaginar uma Segunda Guerra Mundial sem o pragmatismo de Churchill. Assim, tanto Donald Trump quanto Xi Jinping se inserem com segunda variável na nossa equação.

No entanto, pode-se perceber que a hegemonia dos Estados Unidos já se fazia questionável na virada do milênio. Afinal, pode-se considerar como um Estado hegemônico ou potência mundial, um Estado suscetível a um ataque com a proporção do 11 de setembro? Logo, percebe-se que o denominado declínio norte americano tem longa data, no qual, está sendo acentuado no atual governo. Contudo, se separarmos os países, por um lado, os EUA se encontram geograficamente bem posicionado, com acesso ao atlântico e ao pacífico e com extensa projeção militar. 

Por outro lado, tem a China que ganha maior preponderância e colocando-se como um Estado líder no que tange a tópicos relacionados à energia, economia e governança. Além disso, a China tem um crescimento jamais visto em praticamente todos os setores que compõem a economia de um país como o alto desenvolvimento tecnológico e a ocupação de espaços em países instáveis economicamente, através do financiamento de infraestrutura, por exemplo. 

O fato é que o gigante chinês (adepto de um regime político comunista) cresce através do multilateralismo e livre mercado (valores ocidentais e capitalistas). Logo, como abordado no início deste artigo, o futuro está aberto e será marcado pelos fenômenos que possuem maiores probabilidades de ocorrência. Assim, pode-se olhar para o passado e identificar tendência que possuem elevado peso na delimitação dos fenômenos futuros. 

Por fim, deixo algumas questões para reflexão: as características apontadas acima, especialmente relacionadas à projeção econômica, tendem a ditar os acontecimentos? Caso sim, se pode apontar que veremos um período de retomada da projeção econômica dos EUA? Assim, podem os atritos entre EUA e China transbordarem para demais esferas? Além disso, poderá se vislumbrar um futuro de hegemonia chinesa ditada por valores autoritários domesticamente e liberais no âmbito internacional? 

Em relação a esta última questão, conforme Acemoglu e Robinson (2012), “as diferenças institucionais desempenham papel crítico na explicação do crescimento econômico através dos tempos” (p. 122). Com isso, não se tem apenas um período de possível transição hegemônica no cenário atual e sim de transição sistêmica, institucional e organizacional. 

Assim, se os períodos de transição hegemônica anteriores alteraram determinados valores e estruturas, o atual período de transição (caso ele exista) marcará um novo capítulo, na história da humanidade. E, caso essa possibilidade se torne real, será importante compreender o novo quebra cabeça do sistema internacional, a partir de novos pressupostos e com novas regras. 

E só para lembrar, é possível encontrar argumentos em prol da manutenção da Pax Americana e em prol de uma ascensão chinesa. No entanto, é importante sabermos diferenciar vontades próprias e desejos da real possibilidade desses fenômenos ocorrerem. Por isso, espero ter contribuído para que vocês possam ter maior clareza acerca deste debate. E, da mesma forma, espero que as referências acima mencionadas sirvam apenas de introdução para uma posterior compreensão mais profunda do tema.

Texto: Guilherme Jeres
Revisão: Samara Oliveira

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