Pantera Negra e a Teoria das Relações Internacionais

Imagem: Em Pauta (UFPEL)

Na sessão do Mirada Explica em nosso canal do Youtube, já apresentamos como aplicar a teoria das relações internacionais e como o cinema pode ser utilizado como instrumento político desta área. Desta vez, será apresentado à vocês como enxergar as relações internacionais dentro de um filme, tendo em vista que isso enriquece o debate ao explicar várias ações e decisões (políticas) dos personagens que são vistas em nosso Sistema Internacional na vida real.

A partir disso, será feita uma breve explicação de alguns conceitos de 2 teorias das relações internacionais (teoria liberal e decolonial) que puderam ser identificadas no filme Pantera Negra de Ryan Coogler (2018), uma vez que os filmes de quadrinhos e de super-heróis, realizam toda uma contextualização política na formação de seus personagens.

Assim, a onda de pensamento conhecida como Idealismo ou teoria liberal, ganhou espaço entre os estudiosos das relações internacionais (RI’s) e as lideranças políticas do Ocidente após a 1º Guerra Mundial (1914-1918) ao se basear nos valores do liberalismo econômico. Essa teoria possuía o intuito de desenvolver políticas para alcançar a paz mundial, conforme as propostas de Immanuel Kant em sua obra “Paz Perpétua”  de 1795 e foi calcada em valores como: democracia; auto-ajuda; e livre-comércio (MESSARI; NOGUEIRA, 2005). 

No entanto, com a 2º Guerra Mundial (1939-1945) eclodindo no cenário internacional, a teoria liberal foi deixada de lado, uma vez que as 14 propostas do presidente norte-americano, Woodrow Wilson, baseadas na obra de Kant, não evitaram a Segunda Guerra Mundial e isso abriu espaço para um debate teórico entre essa teoria liberal e a teoria realista que surgiu no cenário com o intuito de contestar este idealismo político de cooperação internacional. 

Dito isso, foi após estas contestações da teoria realista que a partir da década de 1980, com a “virada teórica pós-moderna” das ciências sociais, o liberalismo se reestruturou como teoria e desenvolveu novas correntes e conceitos. Dessa forma, a partir de todo este aparato teórico do liberalismo nas relações internacionais, pode ser observado os seguintes conceitos no filme Pantera Negra:
  1. Cooperação internacional: este conceito vem da versão mais clássica do liberalismo em que a questão da cooperação é utilizada como forma de evitar conflitos, tendo em vista que seria melhor os Estados cooperarem, ao invés de pensarem no que é melhor pra si de forma individual (como a expansão de território, de recursos, etc).
  2. Intervencionismo: isso seria uma ação do Estado que pode ser um país que intervém em outros para “auxiliar” ou que prefere se manter isolado e deixar que os outros países resolvam seus problemas sozinhos. Um Estado intervencionista, poderia ser, por exemplo, quando o país X está vulnerável em relação a algum conflito ou problema interno e país Y intervém com a conhecida “ajuda humanitária” (EUA na Síria), ou quando o país X está ferindo direitos humanos ou valores “universais” como a democracia e, o país Y repreende este país com intervenção militar ou aplica as chamadas “sanções econômicas” (EUA no Irã, Coréia do Norte e na Venezuela).
  3. Instituições Internacionais: para a teoria liberal, a criação de instituições imparciais e internacionais, ou seja, sem nacionalidade e território, seria fundamental para que fosse possível desenvolver um espaço para o diálogo entre os Estados para negociar decisões até que estas fossem tomadas em conjunto (por exemplo, os debates sobre os conflitos internacionais ou os debates sobre as questões climáticas).
No caso do filme, estes conceitos são vistos no momento em que o líder T'Challa (Chadwick Boseman) resolve “abrir suas fronteiras” no final do filme para o sistema internacional e oferecer ajuda a partir dos recursos de Wakanda, após manter uma postura isolacionista durante todo o filme. Além disso, o conceito de cooperação é apresentado em toda a sequência dos Vingadores, sendo um valor crucial defendido pelos heróis norte-americanos.

Cena do flashback da morte de T'Chaka (John Kani)

Já a questão das instituições internacionais, é abordada de forma breve, durante o flashback da morte de T'Chaka (pai de T'Challa) em uma conferência da Organização das Nações Unidas, mostrando que Wakanda é um país reconhecido por esta organização, ou seja, é considerado um país independente e quando ele decide “abrir suas fronteiras”, é exatamente em uma conferência destas que o rei T'Challa profere seu discurso (kantiano), mostrando que é ali onde os países formalizam suas decisões perante o sistema internacional.

O segundo ponto de análise, a abordagem decolonial das relações internacionais, também surgiu e ganhou maior espaço nos debates teóricos, após a virada teórica da década de 1980. A crítica decolonial, conforme Rosevics (2017) se deu no contexto em que o uso de de autores majoritariamente europeus:
Passou a ser vista como uma traição ao objetivo principal dos estudos subalternos de rompimento com a tradição eurocêntrica de pensamento [...] em que os decoloniais buscam a emancipação de todos os tipos de dominação e opressão, em um diálogo interdisciplinar entre a economia, a política e a cultura.
Nesse sentido, esta corrente contesta a universalização de valores ocidentais como Estado-nação, democracia, sociedade civil e de gênero, exatamente os que foram propagados pela teoria liberal, uma vez que as nações colonizadas foram forçadas a se introduzirem nesses valores. A proposta seria, por exemplo, estudar o continente africano, a partir de estudiosos e teorias africanas que vivenciaram experiências africanas e não a partir da visão do colonizador. 

Dessa forma, é possível analisar as reivindicações decoloniais no Pantera Negra a partir dos conceitos do orgulho negro, afrocentrismo e feminismo em que a cultura africana “é tratada como sujeito e não como objeto de estudo” (KERSHAW, 1992). Com isso, no filme é possível observar a ruptura da supremacia ocidental ao mostrar que Wakanda não é um país de “terceiro mundo”, graças sua superioridade tecnológica vinda do Vibranium, o metal mais forte conhecido pela “humanidade Marvel”.

Cena da comemoração da união de todas a tribos após "a coroação" de T'Challa

Além disso, o filme foi fiel aos artefatos e costumes de vestimentas de algumas civilizações africanas antes vistos como primitivos e que é mostrado no filme como grandeza, revalorizando a visão da negritude. A luta do movimento negro, pode ser representada pelo posicionamento de Killmonger (Michael B. Jordan) ao contestar a opressão causada pelos colonizadores. Sobre a perspectiva do feminismo (negro), mesmo o poder sendo passado “de pai para filho” no filme como em qualquer sociedade patriarcal, em Wakanda as mulheres ocupam os espaços de liderança sem terem suas capacidades questionadas (MINJ, 2018). 

Cena épica de Okoye fazendo seu marido W'Kabi (Daniel Kaluuya) se render ao afirmar que o mataria por Wakanda se fosse preciso.

Isso pode ser representado no filme pela rainha Ramonda (Angela Bassett) como chefe do conselho político, Okoye (Danai Gurira) como chefe do exército, Shuri (Letitia Wright) sendo chefe do departamento de tecnologia e Nakia (Lupita Nyong'o) sendo membra do movimento revolucionário e depois representante das questões humanitárias.


Com isso, podemos ver como o Pantera Negra se apresenta como um novo padrão de blockbuster hollywoodiano, em razão do seu peso representativo e do seu papel no empoderamento negro no cinema, o que o torna um instrumento político para diversas análises como a das relações internacionais.

Por: Samara Oliveira

Referências Bibliográficas:
CARVALHO, Glauber; ROSEVICS, Larissa (Orgs.). Diálogos Internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: PerSe, 2017.
KERSHAW, Terry. Afrocentrism and the Afrocentric Method. The Western Journal of Black Studies. Vol. 16, Ed. 3, 1992. Pullman, Wash.
MESSARI, Nizar; NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
MINJ, Nolina. Black Panther Review: An Insight Into An Invincible Decolonial Utopia. Disponível em: <https://feminisminindia.com/2018/02/21/black-panther-review-decolonial-utopia/?fbclid=IwAR38R4EEuKMG2aKlpgiwb_tL2DJcvtWnlyxhttH8wTllj97le3jgqBfKh3c>. Acesso em 14 de jun. de 2020.

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