Direito na pandemia (parte III): Dificuldades nas eleições municipais de 2020

Imagem: Diário do Nordeste

No último domingo (27/09) se iniciou oficialmente o período de campanha das eleições municipais de 2020, terminando o prazo de registro de candidaturas e passando a ser permitido a campanha eleitoral dos candidatos a cargos de vereador e de prefeito. Neste ano as eleições irão ocorrer de forma excepcional no dia 15 e 29 de novembro, diferente das datas inicialmente previstas que seriam no dia 4 e 25 de outubro. 

A mudança das datas é devido à pandemia do COVID-19, que já vitimou mais de 100 mil brasileiros, e cujo combate exige o distanciamento social. Entretanto, não é apenas a pandemia o único desafio das eleições desse ano: o crescimento das fake news circulando em redes sociais e aplicativos de comunicação destruindo as imagens de candidatos e espalhando desinformação é uma preocupação da Justiça Eleitoral, ao lado do risco das candidaturas femininas laranjas, um problema que já ocorreu nas eleições anteriores. 

No final de fevereiro deste ano foi confirmado o primeiro caso do Coronavírus no país e rapidamente o vírus começou a se espalhar, alcançando todos os estados brasileiros e causando um número enorme de vítimas. Com a pandemia adquirindo proporções cada vez maiores e a principal medida recomendada por especialistas sendo o distanciamento social, começou a ser discutido se haveria a necessidade de adiar as eleições, considerando que nos dias de votações sempre geram aglomerações, sem contar outros eventos que ocorrem em épocas eleitorais, como os comícios de campanhas que reúnem várias pessoas. 

A possibilidade de alteração nas datas das eleições e qual seria a melhor alternativa a tomar dividiu políticos e juristas. Um dos pontos mais polêmicos seria que de acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 16, as alterações no processo eleitoral não podem ser aplicadas no mesmo ano de sua publicação (o chamado princípio da anualidade), ou seja, já não teria como alterar as regras das eleições deste ano. 
"A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência" (Art. 16, CF/88). 
Outro problema é que as datas das eleições também estão previstas na própria Constituição Federal como só podendo ser alteradas por meio de emendas constitucionais. Para as emendas serem aprovadas, se exige uma série de procedimentos no Congresso que são muito mais rígidos do que para aprovar uma lei comum como, por exemplo: a necessidade de três quintos de votos favoráveis para a emenda ser aprovada. 

Houve diferentes propostas de alteração das eleições 2020, com algumas planejando adiar as eleições até 2021 ou mesmo 2022 (buscando a unificação das eleições municipais com as eleições gerais), entretanto essas propostas não prosperaram no Congresso. No final, a proposta que recebeu mais apoio dos congressistas e do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE, órgão máximo responsável pela fiscalização e andamento das eleições) foi a de adiar as eleições para novembro, tendo sido prescrita pela Emenda Constitucional n° 107. 

Então, mesmo que a prorrogação automática dos mandatos políticos seja inconstitucional, visto que iria contra a soberania popular (a única que pode conceder os mandatos políticos) e a periodicidade do voto, não podendo ocorrer nem sequer por meio de emenda na Constituição, a Emenda Constitucional n° 107 foi criada como uma exceção ao princípio da anualidade e com o adiamento das eleições, uma série de outros prazos também tiveram que ser alterados como: 
  • O adiamento das convenções partidárias, cujo período seria de 20 de julho a 5 de agosto e foram mudadas para 31 de agosto a 16 de setembro; 
  • o horário eleitoral gratuito que começaria 29 de agosto foi adiado para 8 de outubro; 
  • o relatório parcial das contas de campanha que deveriam ser feitas em 15 de setembro ficaram para 27 de outubro, entre outras mudanças (GONÇALVEZ, 2020). 
Além do adiamento, a Justiça Eleitoral deve tomar uma série de medidas de prevenção para evitar o contágio do vírus aos eleitores e aos mesários que irão trabalhar nessas eleições. Tais como a obrigatoriedade do uso de máscaras; o fornecimento de álcool em gel e protetores faciais aos mesários; o aumento do horário para votar nos dias das eleições; limpeza constante das urnas eletrônicas; e a reserva de um horário preferencial aos idosos, foram algumas das medidas adotadas. 

Outro ponto que tem sido discutido são quais as medidas que a Justiça Eleitoral irá adotar para combater o espalhamento das chamadas fake news, isto é, notícias falsas com o objetivo de distorcer a percepção da realidade do leitor sejam enaltecendo de forma mentirosa um político ou atacando a reputação de outro por meio de acusações falsas. É válido lembrar que esse não é um problema que surgiu nesse ano e nem que atinge só o Brasil, sendo também um desafio para as eleições de outros países como nos Estados Unidos. 

O uso de mentiras e calúnias no período das eleições sempre existiu, sendo algo combatido pela Justiça Eleitoral há décadas, entretanto, o que muda atualmente é a forma como que essas mentiras estão sendo produzidas e espalhadas por meio do uso de contas falsas e robôs, em que é possível uma mentira se espalhar rapidamente nas redes sociais e chegar a milhares de pessoas em questão de segundos, que por sua vez irão compartilhar essas mentiras aos amigos, criando um efeito bola de neve. Assim, o anonimato das redes sociais dificulta a chegar a quem criou e espalhou a mentira, tornando difícil a punição dos culpados (CEZAR, 2020). 

Dessa forma, ao mesmo tempo em que as fake news geram um dano enorme à democracia, precisa se tomar cuidados para que o combate a elas não crie problemas maiores. É preciso saber diferenciar uma mentira proposital de uma opinião, não se podendo rotular como “fake” opiniões que sejam polêmicas e também não pode a Justiça Eleitoral (ou qualquer outro órgão estatal) assumir o papel de julgador da verdade, decidindo o que é verdade ou o que é mentira, uma vez que isso abriria a possibilidade de censura e de limitação da liberdade de expressão. 

Por isso, o melhor a se fazer é adotar medidas que foquem na regulação da forma de disseminação e não no conteúdo em si como, por exemplo, proibir uso de robôs e da impulsão ilegal de mensagens. 

Por fim, outro ponto que deve gerar muitas discussões e preocupações à Justiça Eleitoral se refere às fraudes nas candidaturas femininas (as chamadas candidaturas laranja). De acordo com a lei eleitoral, os partidos devem possuir um percentual mínimo de 30% de candidatas mulheres. Entretanto, na última eleição houveram casos de partidos que burlaram essa regra ao registrarem candidatas que não receberam nenhuma verba para campanha, mas que pediam votos para outros candidatos ou que nem mesmo sabiam que estavam concorrendo. 

Enquanto nas eleições anteriores se costumava analisar as fraudes só após o fim das eleições, neste ano, o juiz poderá realizar o controle assim que forem feitos os registros. Dessa forma, os casos de candidatas que mostrem nenhum interesse na própria campanha e nem conheçam bem os próprios partidos são considerados com indícios de fraudes. Entretanto, cada caso deve ser analisado de forma isolada, porque a desistência de uma candidata no meio das eleições não é necessariamente fraude, visto que uma série de motivos (como problemas pessoais) pode levar a uma desistência legítima (VITAL; VALENTE; 2020). 

Com isso, pode-se concluir que as eleições desse ano serão atípicas, trazendo uma série de novos desafios à Justiça Eleitoral, que deverá se preparar para garantir um processo eleitoral que ocorra de forma justa e inclusiva, dentro das regras do jogo e, principalmente, que seja seguro para todos. 

Por: Alexander Kubiak 

Referências Bibliográficas 
BRASIL, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. TSE adota cuidados sanitários para eleitores e mesários nas Eleições 2020. TSE, Assessoria de Comunicação. 08 de setembro de 2020, 19:35. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Setembro/tse-adota-cuidados-sanitarios-para-eleitores-e-mesarios-nas-eleicoes-2020>. 

CEZAR, Rafael. Os impactos jurídicos das fake news nas eleições. Revista Consultor Jurídico. 22 de agosto de 2020, 7h04. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-ago-22/rafael-cezar-impactos-juridicos-fake-news-eleicoes>. 

GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. As eleições foram adiadas. GenJurídico, 17 de julho de 2020. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2020/07/17/eleicoes-foram-adiadas/> 

VITAL, Danilo; VALENTE, Fernanda. Fraude por cota de gênero entra na mira do TSE para as eleições municipais. Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2020, 9h17. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-ago-15/fraude-cota-genero-vira-desafio-tse-2020>.

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