Mirada nas Eleições: Bolívia, como chegamos até aqui?

Imagem: Istoé

No dia 18 de outubro de 2020 a Bolívia novamente foi às urnas para eleger os seus governantes, e para entender todo o processo caótico que culminou nesta nova escolha de seus representantes, precisamos entender o contexto político que foi vivido. 

Evo Morales foi presidente do Estado boliviano por 13 anos, iniciando seu mandato em 2006, e por meio de manobras políticas legais que incluíram a implementação de uma nova constituição, pode permanecer por três mandatos. Esta estabilidade foi um evento incomum registrado na história política do país, pois era regular a mudança de líderes antes que o mandato programado realmente tivesse fim. E isso poderia ser um episódio impressionante, se em novembro de 2019, Evo Morales não tivesse anunciado sua renúncia. 

O presidente por muito tempo pode amenizar os ânimos da oposição, mantendo a economia com um crescimento de 5% de seu PIB durante uma década. Porém, a histórica trajetória do movimento Meia Lua que dividia os estados, se tornou cada vez mais complexa de apaziguar, sendo os estados do Leste dominados por um bloco opositor, e o Oeste onde estava concentrada a maior parte do apoio popular de Evo. Um dos tópicos principais para o esvaziamento de suas forças de apoio está na sua insistência pela possibilidade de novamente ser reeleito (LUIGI, 2020). 

No ano de 2016 ocorreu uma grande consulta a população sobre a possibilidade de que o até então presidente concorresse novamente ao cargo. A decisão da maioria foi contrária a esta possibilidade. No entanto, em 2018 por intervenção do Tribunal Constitucional Plurinacional [1], foi considerado que, pelo tratado ratificado na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), Evo teria o direito legal de se candidatar novamente ao cargo de presidente da Bolívia (LUIGI, 2020). 

Esta decisão não foi agradável para grande parte da população, no entanto, sua candidatura seguiu, até que em 2019 ocorreram os grandes escândalos da possibilidade de fraude nas urnas. Na noite do dia 20 de outubro, apuração das urnas já ocorria tendo 83% de suas urnas contabilizadas, neste momento a justiça pediu a interrupção do processo, e ao retornar no outro dia havia apenas a informação de que Evo havia sido eleito no primeiro turno. 

Esta notícia não foi bem recebida em nenhuma hipótese, pois, no momento da interrupção o resultado indicado era de um segundo turno acirrado. Houve pressão tanto por parte da oposição, quanto de organizações internacionais observadoras para que se realizasse um segundo turno, contudo, esta ação não foi acatada pelo governo (MIRANDA e ZAMORANO, 2019). 

Em uma auditoria realizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), foi analisado que era impossível que Evo conquistasse o número de votos necessários para um segundo turno, relatando também que foram encontradas cédulas de votação adulteradas, assinaturas falsificadas, manipulação de dados e falha na segurança da integridade das eleições (MIRANDA e ZAMORANO, 2019). Como resultado, Evo Morales convocou novas eleições, todavia poucas horas mais tarde anunciou sua decisão de renunciar ao seu mandato. 

Um dos atores essenciais para o entendimento da renuncia está na posição dos militares do país. Estes se pronunciaram favoráveis a renúncia do presidente, alegando que seria fundamental para a manutenção de um cenário pacífico para o povo Boliviano. E realmente, os ânimos se exaltaram e em diversas partes do país ocorriam manifestações e greves favoráveis e contrárias a eleição de Morales, contabilizando inúmeros feridos pelo enfrentamento com as forças armadas do país e também, entre os blocos contrários de manifestantes. 

Em um ato de autoproclamação, a segunda vice-presidente do Senado Jeanine Áñez assume a posição de presidente interina, onde convocou novas eleições para o mês de maio de 2020. Entretanto, seu breve governo foi marcado por denúncias de perseguição política a membros da oposição. Estas denúncias foram divulgadas pela Ong Human Right Watch (HRW), e em seu texto indica que durante o seu governo houveram acusações e medidas judiciais desproporcionais, juntamente ao uso arbitrário de prisões preventivas. 

Nesse sentido, a oposição se fortaleceu com estes eventos entre os líderes do movimento contrário a manutenção de Evo no poder. Suas reivindicações incluem principalmente o respeito a constituição de 2009 que não permitiria um outro mandato para o candidato, seguindo aquilo que foi promulgado anteriormente. E seguindo as pautas semelhantes a aquelas que foram apresentadas na América Latina, a oposição dizia representar “o caminho para acabar com a corrupção dentro do partido”, afirmando que os movimentos sociais estariam corrompidos (DW, 2019). 

Segundo o portal de notícias G1, as eleições não ocorreram na data prevista, sendo remarcadas duas vezes ao longo deste ano. O principal fator esteve na pandemia, onde os picos não controlados do vírus dentro do país atrapalharam e adiaram a sua realização. Por este período Jeanine Áñez permaneceu no cargo de presidente interina, chegando a se lançar como candidata à presidência, mas desistindo em setembro pouco antes do início das eleições. 

Os dois atores principais das eleições que efetivamente ocorreram no dia 18 de outubro, foram Luis Arce, membro do partido Movimento ao Socialismo (MAS) – o medo partido de Evo Morales –, e Carlos Mesa, ex-presidente do país. Mesa foi eleito como vice-presidente do país em 2002, juntamente de Sánchez de Lozada, porém, foi obrigado a assumir o governo pouco tempo depois e seu governo também não durou muito. No total, Mesa permaneceu no executivo por 15 meses, assumindo um governo já marcado por manifestações, a se incluir o “Outubro Negro” que ficou marcado pela violência policial aplicada, causando a morte de diversas pessoas. 

Já Arce, considerado o legítimo vencedor das eleições de 2020, mesmo em um partido que sofreu uma enorme perda de apoio popular, conquistando a presidência em apenas um turno. Para ele o adiamento das eleições foi extremamente benéfico, pois nesse período apareceram diversos novos casos de corrupção envolvendo o combate ao novo Coronavírus, manchando a reputação de Jeanine Áñez, sua principal rival que inclusive abandonou a corrida presidencial após estes escândalos (CARMO, 2020). 

Dessa forma, o histórico de Arce como ministro da economia, obteve os melhores índices de redução da pobreza dentro do país também ajudou muito em sua imagem de “opção responsável”. A expectativa é que agora o cenário político da Bolívia encontre uma posição estável, garantindo que efetivamente os princípios constitucionais bolivianos sejam garantidos. Com a sua vitória incontestável, espera-se que Arce consiga pacificar o debate dentro do país de modo que sua democracia jovem e muitas vezes frágil não venha a cair. 

Notas:
[1] Buscando refletir a imensa diversidade étnica e cultural boliviana, em 2009, a população boliviana aprovou a construção de um novo texto constitucional, colocando o o país como um Estado plurinacional, ou seja, um Estado com várias nações, reconhecendo efetivamente indígenas e camponeses dentro do processo de construção política, trazendo maior representatividade a essas populações.

Por: Rafaela Souza 

Referências Bibliográficas 
Abraham Zamorano e Boris Miranda. Por que Evo Morales renunciou à Presidência da Bolívia? 5 pontos-chave que explicam a decisão. BBC, 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50373193>.

DW. As demandas da Oposição na Bolívia. DW, 2020. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/as-demandas-da-oposi%C3%A7%C3%A3o-na-bol%C3%ADvia/a-51173021>.

Estado de Minas. HRW denuncia perseguição política de partidários de Evo Morales na Bolívia. Estado de Minas Internacional, 2020. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/09/11/interna_internacional,1184671/hrw-denuncia-perseguicao-politica-de-partidarios-de-evo-morales-na-bol.shtml>. 

Carmo, Marcia. Como partido de Evo Morales renasceu nas urnas após ter caído em desgraça na Bolívia. BBC, 2020. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54669228>. 

Luigi, Ricardo. A CRISE NA BOLÍVIA: DA RENÚNCIA DO PRESIDENTE EVO MORALES À CONVOCAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES. Boletim de Conjuntura. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em <https://revista.ufrr.br/boca/article/view/Luigi>.






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